Estou bastante atrasada para falar do tema, afinal hoje está
sendo o 19°
dia de mobilização dos ‘coletes amarelos’. Mas não posso deixar de comentá-lo diante do fato de ele ter se mostrado mais perene do que muitos previam e do atual momento de intensificação dos embates com os braços de segurança do governo francês.
Quando o movimento começou, em novembro de 2018, não se sabia ao certo sua relevância. Vários amigos e familiares logo ficaram preocupados, nos
perguntando o quanto as manifestações mais violentas nos afetava. ZERO. Estamos num bairro residencial tão afastado do ‘furdunço’ –
felizmente – que nunca sentimos qualquer efeito das manifestações. Apenas um dia em que eu fui encontrar uma querida amiga que estava hospedada perto da 'Place de la République', bem em um dia em que a manifestação seria ali, entrei bem no meio para ver o movimento e não resisti - tirei uma foto com alguns manifestantes:
Como dá para ver na foto, o movimento é constituído essencialmente pela classe média, pelos pais de família. Nem é essencialmente liderado pelos mais jovens. E, como ocorre na maioria das manifestações, muito menos é um movimento encabeçado por arruaceiros ou os tais 'black bloc' (mas, obviamente, o que vende notícia são os atos de violência impetrados por alguns).
Como dá para ver na foto, o movimento é constituído essencialmente pela classe média, pelos pais de família. Nem é essencialmente liderado pelos mais jovens. E, como ocorre na maioria das manifestações, muito menos é um movimento encabeçado por arruaceiros ou os tais 'black bloc' (mas, obviamente, o que vende notícia são os atos de violência impetrados por alguns).
No início acompanhávamos os debates na TV (que, diga-se de passagem, são os mais acalorados que já assisti), perguntávamos aos
franceses mais próximos sua opinião, enfim, chamou bastante nossa atenção. Ouso,
então, compartilhar algumas de minhas impressões sobre o tema, que são de uma forasteira total; para poder de
fato dar uma opinião mais sólida, precisaria ter um maior envolvimento com o país.
Mas os pontos que mais me chamaram a atenção se referem à
insatisfação e à mobilização dos franceses para expressá-la. Esse é um ponto
fundamental que precisaríamos desenvolver muito no Brasil. Ele foi iniciado pela
classe média baixa, por trabalhadores que consideram que seu poder de compra vem se drenando nos últimos anos e que começaram a se mobilizar para exigir mudanças do governo. Só para apresentar um fato: em 2017, a carga tributária na França era a 4ª maior do mundo, sendo que o índice de retorno de bem-estar da sociedade estava em 24º lugar. Dá para ter uma noção da insatisfação generalizada.
Essa é apenas uma das situações em que pude perceber um
engajamento muito maior da população daqui - já falei, por exemplo, da iniciativa do 'Budget Participatif'. É notória a existência de mais canais para
participação nas ações do setor público e eles participam ativamente. E é
justamente por eles participarem ativamente que esses canais vão sendo abertos e fortalecidos. Não raramente recebemos em casa relatórios da prefeitura, convites para participar de reuniões e debates de projetos públicos.
Um fato interessante é que o movimento dos 'Gilets Jaunes' tem sua maior força no interior do país. Acompanhamos pela televisão pessoas
mobilizadas que acampavam na rua, em meio ao frio, à chuva. Homens, mulheres,
chefes de família e até de mais idade com uma energia invejável, lutando por
suas convicções. Afinal, como muitos nos dizem, na França nada foi recebido de
presente. É um povo acostumado a obter suas conquistas com muita
luta.
Ninguém sabe ao certo para onde vai caminhar o movimento. Às vezes parece estar perdendo forças, outras parece que vai se perdurar e que pode
até levar a outros movimentos mais intensos e radicais. Mas a lição que tiro até aqui é a de que precisamos avançar muito,
intensificando nossa participação na vida pública, aprendendo a cobrar e a colocar mais a mão na massa. Parar com nosso comportamento passivo de esperar que as mudanças caiam do céu. Acreditar que nós podemos sim ser os agentes das mudanças que queremos!